Os admiradores do poeta Carlos Drummond de Andrade, em especial a população da terra natal, Itabira, ganharam um presente: a Fundação Cultural Carlos Drummond de Andrade adquiriu documentos raríssimos. São correspondências destinadas a amigos e, principalmente, à mãe dele, escritas a partir de 1915 e que vão até 1986.
Em tempos de debate sobre a importância das biografias, o conjunto de documentos pode ser consideado uma espécie de capítulo de autobiografia, fundamental para a compreensão da vida e obra do poeta. Até então, esse tesouro estava guardado dentro de um armário. O dono era o jornalista e empresário de Lavras, no Sul de Minas, Eduardo Cicarelli. “Estou duplamente feliz. Primeiro porque não queria que essas cartas saíssem de Minas em hipótese alguma. Além disso, porque a história de Itabira agora tem um capítulo de Lavras”, diz.
Cicarelli é colecionador de selos e foi graças ao hobby que descobriu a correspondência de Drummond, há mais de 20 anos. Na verdade, foi por intermédio de um amigo, o advogado Anísio Cader, que conseguiu comprar o lote de documentos de parentes do poeta. Somente anos mais tarde soube que pertenciam a Ita, a cunhada de Drummond, que, por sua vez, herdou as cartas da sogra, Julieta Augusta, mãe do poeta.
Do Rio de Janeiro, o jornalista e empresário levou o material para Lavras com o intuito de fazer uma exposição no Instituto Brasil Estados Unidos da cidade. A mostra não vingou e ele guardou o material por 20 anos. “Se você detém essa informação e não repassa, é preferível nem ter. Chega uma hora que não dá mais para ficar atendendo jornalistas e pesquisadores”, afirma Eduardo. Quando tornou público seu desejo de vender o material, recebeu propostas de um site inglês e também de pesquisadores franceses.
“Imediatamente, fiquei alvoroçado. Não é todo dia que se encontra um lote de documentos tão preciosos, que dizem respeito sobretudo à intimidade do poeta”, conta Marconi Drummond Lage, primo do escritor e atual superintendente da Fundação Cultural Carlos Drummond de Andrade. Pelo lote de valor inestimável entregue ontem durante cerimônia realizada em Lavras, a instituição pagou R$ 21 mil.
“São cartas endereçadas à mãe e conhecemos pouco da relação dele com ela. Com o pai, a obra traz alguns apontamentos. As cartas guardam muito sobre rotinas familiares, a saúde, o nascimento da filha, a notícia do noivado. É um manancial riquíssimo que ainda está por ser desvendado”, completa Marconi.
O lote tem 212 itens, entre cartas, fotografias, bilhetes, postais, escrituras e telegramas. O que mais chama a atenção são as trocas de afetos com a mãe, Julieta. Para se ter uma ideia da delicadeza com que se tratavam, sempre iniciava as correspondências com “Querida mamãe” e terminava com pedidos de bênçãos, uma curiosidade para o poeta de conhecido ateísmo. “Aqui, todos bem. Abençoe a netinha e o filho e receba as lembranças de Dolores”, escreveu em 1948.
TIMBRADO
Em geral, as correspondências foram escritas em papéis timbrados do Ministério da Educação e Saúde, onde o poeta trabalhava na época como chefe de gabinete de Gustavo Capanema. O envelope era timbrado com o nome dele. Algumas das cartas ficaram incompletas. As peças mais antigas datam de 1892 e são escrituras da família Drummond.
Com a letra do poeta, bem pequena, o que há de mais antigo é uma folha de cheque do Banco da Amizade, entregue a Ita, a cunhada. O valor em questão era 365 dias de felicidade. Em uma clara brincadeira de criança, ele assina como Carlito o documento trocado em 28 de dezembro de 1915, quando tinha 13 anos. Nos cartões de visita endereçados à família, riscava o sobrenome, uma forma de ressaltar intimidade. Uma carta para Naná, de dezembro de 1986, é o último documento assinado por ele.
Em meio a tanta raridade, há uma carta enviada ao irmão Flaviano em 1925, informando o desejo de se casar com Dolores, o que ocorreu em 30 de maio daquele ano. “Comunicado isso, faço um convite, muito sincero e muito amistoso, tanto a ti como a Ita e crianças para que venham assistir o meu casamento”, redigiu. O lote tem também o cartão que comunica o nascimento da filha, Maria Julieta, em março de 1928, assim como a foto oficial da formatura em farmácia, em 1925. Na dedicatória: “Ao meu bom pai, lembrança de um amor filial”.
As cartas de Cartas de Carlos Drummond de Andrade podem ser vistas na Fundação Cultural Carlos Drummond de Andrade em Itabira.
Serviço:
Local: Fundação Cultural Carlos Drummond de Andrade
Endereço: Av. Carlos Drumond de Andrade, 666, Itabira – MG
Informações: (31) 3835-2102